O recesso parlamentar no Congresso Nacional pode ser útil para a Casa para acalmar os ânimos e tirar o foco dos temas polêmicos. Um deles, porém, não pode ser esquecido e deve ser motivo de mobilização por parte da sociedade civil logo no início do ano legislativo, em fevereiro. Conhecido como Ficha Limpa, o Projeto de Iniciativa Popular 518/09, protocolado em setembro do ano passado, teve sua análise jogada para este ano. De acordo com o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), não havia acordo entre os líderes para votá-lo.
Tal projeto recebeu a assinatura de 1,5 milhão de eleitores de todo o Brasil, mais do que necessário para que seguisse adiante. Torna inelegíveis os candidatos que tiverem sido condenados em primeira instância, ou seja, com denúncia acolhida em um tribunal por uma série de delitos – racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas –, bem como os já condenados por corrupção eleitoral. A proposta é essencial para a moralidade do sistema eleitoral. Tem a devida cautela de não prejudicar pessoas apenas denunciadas por crimes, já que a acusação pode ser indevida, fruto inclusive de uma rivalidade política entre adversários que disputam a mesma base eleitoral. Da mesma forma, a decisão em primeira instância permite que o denunciado se defenda, uma premissa da Justiça.
Mas se a denúncia foi acatada pela Justiça e com provas de que ali houve um ilícito, algo decidido em primeira instância, nada mais correto do que essa pessoa, ao menos enquanto não conseguir recurso da decisão, não poder concorrer a um mandato. Problemas na “vida pregressa” podem prejudicar interessados em participar de concursos para admissão no serviço público, mesmo que não tenham sido condenados em última instância. O mesmo critério deve restringir a participação de candidatos a futuros parlamentares ou governantes.
Se a candidatura for registrada, nem sempre há tempo hábil de explicar aos eleitores quem é quem na disputa. Nas eleições de 2008, os paranaenses elegeram 55 candidatos que respondiam a processos na Justiça já condenados em alguma instância judicial ou que tiveram as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas ou ainda pelas Câmaras Municipais quando eram administradores públicos.
Esperar acordo dentre os líderes partidários para que seja analisado é aguardar que os próprios beneficiados pelas brechas da lei da inegibilidade decidam sobre seu futuro, porém de forma prejudicial a eles. Para que a proposta seja válida para as próximas eleições, Câmara e Senado precisam aprovar o projeto até o dia 5 de junho. Além da ONG Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que teve a iniciativa de recolher a assinatura, outras entidades da sociedade civil devem se juntar aos 1,5 milhão de eleitores e pressionar pela votação rápida do projeto. A sociedade mobilizada pode forçar essa votação a tempo e, assim como outro projeto de iniciativa popular apresentado há dez anos – o que passou a punir com multa e perda de mandato os políticos condenados por compra de votos –, pode ajudar a melhorar nosso sistema político-eleitoral que, apesar de fazer parte de uma democracia já consolidada, ainda apresenta contornos de um coronelismo atrasado, que produzia suas próprias “leis”.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=966560&tit=Ficha-limpa-no-Congresso
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