Publicado em 29/09/2009 André Gonçalves, correspondente
Brasília - Um milhão e 300 mil brasileiros tentam colocar os políticos fichas-sujas contra a parede a partir de hoje. O grupo subscreve o projeto de lei de iniciativa popular para proibir a candidatura de qualquer um que foi condenado em primeira instância judicial ou que responde na Justiça por denúncias graves como homicídio, racismo e desvio de dinheiro público. A proposta será entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP). Se aprovada, pode valer para já para a campanha de 2010.
O tema é polêmico e incomoda grande parte dos parlamentares. De acordo com levantamento publicado na semana passada pelo portal Congresso em Foco – especializado na cobertura do Poder Legislativo –, 129 deputados federais e 21 senadores são alvos de processos no Supremo Tribunal Federal (STF). Os números colaboram para que os projetos que prejudicam os fichas-sujas enfrentem tanta resistência.
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Veja mais sobre a proposta de iniciativa popular que altera a lei de inelegibilidades
Paraná foi o 2.º estado em assinaturas
O Paraná foi o segundo estado que mais coletou assinaturas para o projeto de lei de iniciativa popular cujo objetivo é barrar os candidatos a cargos eletivos acusados de crimes, os chamados fichas-sujas.
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Há 12 dias, a Câmara dos Deputados vetou uma emenda do projeto de reforma eleitoral incluída pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS) que exigia “idoneidade moral” e “reputação ilibada” como requisito para candidaturas. Na época, o líder do PT na Casa, Cândido Vaccarezza, disse que a proposta era uma “falta de responsabilidade” porque não definia critérios para a aplicação dos dois termos. Os congressistas também se apegam ao fato de que barrar candidatos que ainda não foram julgados ou cuja condenação não é definitiva fere o princípio constitucional da presunção de inocência.
A tese é respaldada por uma decisão recente do STF. Em outubro de 2008, o Supremo rejeitou uma ação de descumprimento de preceito fundamental movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, que solicitava a concessão de poderes aos juízes eleitorais para impedir que candidatos condenados em primeira instância pudessem disputar eleições. “O valor da presunção de inocência prevalece íntegro até o momento final do trânsito em julgado”, disse o relator do processo, o ministro Celso de Mello.
O julgamento, porém, frisou a importância de uma norma específica sobre o assunto. De acordo com o parágrafo 9.º do artigo 14 da Constituição, é necessária uma lei complementar para estabelecer os casos de inelegibilidade. O dispositivo protegeria a “moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato”, conforme prevê o texto constitucional.
Para o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que organizou a coleta de assinaturas, não há contestação sobre o mérito da proposta. O presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (uma das 43 entidades que integram o MCCE), Marlon Reis, defende que o princípio da presunção de inocência não será obstáculo para o texto. “É uma garantia que não se aplica à lei eleitoral, até por isso a própria Constituição pede a elaboração de uma lei complementar.”
Dúvidas
O assunto, entretanto, não é consenso entre juristas. O presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flávio Pansieri, afirma que qualquer tentativa de restringir as garantias individuais será prejudicial. “Em razão da ineficiência do sistema judiciário, que demora demais para julgar, estamos colocando em risco o princípio da presunção de inocência. Uma questão não pode envolver a outra.”
Já o advogado Everson Tobaruela, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo e especialista em Direito Eleitoral, diz que o projeto tem um conceito equivocado. “Estamos sempre esperando que alguém resolva o nosso problema de termos representantes tão ruins. É muito paternalista achar que uma lei é capaz de solucionar tudo.”
Só 3 projetos de iniciativa popular viraram lei
A proposta que será entregue hoje à Câmara dos Deputados segue os mesmos passos da Lei 9.840, que ontem completou uma década em vigor e que foi proposta por meio de um projeto de iniciativa popular. A norma concedeu à Justiça Eleitoral mais poderes para punir atos de corrupção eleitoral. Graças ao texto, mais de mil políticos foram cassados desde 1999 por compra de votos e uso eleitoral da máquina administrativa.
“Foi a prova de que a manifestação popular dá resultado”, diz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Desde a Constituição de 1988, apenas outras duas leis de iniciativa popular foram aprovadas pelo Congresso Nacional. A Lei 8.930/1994 entrou em vigor após uma intensa campanha da novelista Glória Perez, motivada pelo assassinato da filha, a atriz Daniela Perez. O texto ampliou o rol de crimes hediondos previstos na legislação.
Além dela, uma iniciativa do Movimento Popular de Moradia levou à criação da Lei 11.124/2005. A norma criou o Fundo de Moradia Popular e o Conselho Nacional de Moradia Popular.
Até chegar ao Poder Legislativo, no entanto, as propostas tiveram de passar por um longo caminho.
Até chegar ao Poder Legislativo, no entanto, as propostas tiveram de passar por um longo caminho.
Todo projeto de iniciativa popular precisa do aval de 1% dos eleitores brasileiros, distribuídos por pelo menos cinco estados. A proposta sobre os fichas-sujas, por exemplo, precisou de um ano e meio para receber de 1,3 milhão de assinaturas. O volume de papel do abaixo assinado deve superar uma tonelada e será transportado em duas caminhonetes até o Congresso. (AG)
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