domingo, 9 de agosto de 2009

Do e-Band: Com exigência de ficha limpa, MPF pode punir mais, diz promotor

Domingo, 9 de agosto de 2009 - 09h28
Martina Cavalcanti, Da Redação

Proibir candidatos com ficha suja pode permitir que mais parlamentares envolvidos em irregularidades sejam punidos pelo Ministério Público Federal (MPF). Para José Carlos Cosenzo, presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), um Projeto de Lei promovido pela Campanha Ficha Limpa é uma maneira de tornar o MPF menos dependente do Supremo Tribunal Federal (STF). “Nós queremos o principio da prevenção, diferente do STF que defende o princípio da presunção de inocência”, disse o promotor de justiça, em entrevista ao eBand.

Com essa mudança, Cosenzo acredita que a denúncia de políticos ao MPF feitas por eleitores pode ser positiva. “Se pudermos mobilizar o cidadão para nos levar os fatos concretos quando possível, ótimo. Mas tem de ter critérios, não podemos criar um denuncismo desmedido.”

Apesar de ser um serviço utilizado por poucos, qualquer cidadão tem o direito de enviar representações ao MPF, para que senadores e deputados suspeitos de irregularidades sejam investigados pelo órgão.

Leia a seguir a íntegra da entrevista.

eBand - A atual estrutura do MPF impede que mais investigações sejam feitas pelo órgão?

José Carlos Cosenzo - Nós estamos com um problema de legislação, não temos uma sustentação jurídica. Hoje, nós temos que pedir muitas coisas ao STF, que decide pela presunção de inocência. Por isso, o MP não pode impugnar os parlamentares com ficha suja. Nós queremos o principio da prevenção, diferente do STF. O Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre a Vida Pregressa promovido com campanha do MCCE (Movimento Contra a Corrupção Eleitoral), que conta com membros da Conamp, é o caminho que buscamos para que possamos agir na Justiça para mudar essa situação.


eBand -De que forma esse Projeto de Lei, se aprovado, melhoraria a atuação do MP?

Cosenzo - O MP tem uma incumbência muito séria que é ser fiscal do regime democrático. Como fiscal, tem que ajudar a escolher os representantes. Mas, para isso, devemos separar o joio do trigo, separar aqueles que não têm, em tese, uma vida proba. Entendemos que uma pessoa processada por ato de improbidade administrativa em primeira instância não pode ser eleita. O Projeto de Lei pretende tornar inelegível quem for suspeito de cometer improbidade administrativa e tiver pena não inferior a dez anos, ou seja, aqueles que são suspeitos de cometer crimes graves contra a sociedade. Estamos recolhendo assinaturas para que esse Projeto possa ser votado no Congresso e ampliar a atuação do Ministério Público. Para isso, são necessárias 3 milhões de assinaturas. Faltam aproximadamente 300 mil.

A lei melhora a atuação do MP também porque a Justiça Eleitoral é uma prestação de contas formal, só quando a mídia fala, ou algum candidato adversário fala à mídia, que se checa com mais detalhes a conta, comparando com a da Receita Federal. Se não caiu na malha fina, o cara se livra.

eBand - Mas não se corre o risco do candidato poder se eleger nas eleições seguintes se não for condenado pelo STF?

Cosenzo - Não há nenhum tipo de situação perfeita. A democracia é uma forma de se reabilitar a pessoa também, ela não pode ter inegibilidade perpétua. Porém, ficar sem concorrer a duas ou três eleições, acaba com a vida política do candidato. O Collor [ex-presidente da república Fernando Collor] não foi condenado criminalmente pelo STF, mas por improbidade administrativa ficou um bom tempo sem se eleger. O fato de ter voltado agora como senador é uma exceção. Diferente dele, 80% dos outros políticos depende da batalha de conquistar a confiança do eleitorado para conseguir se reeleger amanhã ou depois.

eBand - Mas isso só puniria candidatos que cometessem improbidade administrativa. A parte criminal continuaria sendo julgada pelo STF?

Cosenzo - O trabalho que estamos desenvolvimento é para eliminar o foro privilegiado dos atos de improbidade administrativa. Porém, tomemos como exemplo o seguinte caso: se um político desviar verba e, para fazer isso, falsificar documentos, fraudar normas, além de estar cometendo um crime [crimes só podem ser julgados pelo STF], ele também está cometendo improbidade administrativa por fraudar documentos. Se o projeto for aprovado, esse político perderia o cargo, já que teria inegibilidade por ter cometido improbidade administrativa. A condenação criminal fica para o STF, mas ele se torna inelegível.

eBand - É comum o envio de denúncias de cidadãos comuns ao MPF? Como incentivar o envio de representações contra políticos pelos cidadãos?

Cosenzo - O cidadão comum busca diversos caminhos para denunciar, mas as denúncias de aspecto político geralmente são encaminhadas para o próprio Congresso. Tentamos de toda maneira disseminar que as pessoas denunciem ao MPF, que a população seja o maior fiscal da política, mas é difícil. O eleitor não costuma fazer representação contra a conduta de seus representantes durante a gestão deles. As denúncias acontecem mais nas campanhas eleitorais, com objetivo de penalização do adversário político, com casos de corrupção eleitoral, abuso...

Também é muito difícil o MPF fazer uma campanha mais rígida sobre isso, porque dá impressão de dizer que as instituições cometem uma série de abusos e precisam ser denunciadas. Isso é complicado, pois há necessidade de valorização do legislativo. Antes de incentivar a população a apresentar tão somente denúncias, deve se incentivar que o debate e as soluções surjam no próprio Parlamento. Se pudermos mobilizar o cidadão para nos levar os fatos concretos quando possível, ótimo. Mas tem de ter critérios, não podemos criar um denuncismo desmedido.

eBand - O MPF não é responsável justamente pela investigação de denúncias?

Cosenzo - Sim, mas, queira ou não, temos de valorizar a tripartição de poderes. Procuramos suprir esse vácuo, mas com um incentivo demasiado corre-se o risco de haver o aumento da judicialização da política, ou seja, fazer o Judiciário legislar por vias tortas. Isso pôde ser visto nos casos em que o Judiciário acabou com a Lei de Imprensa e legislou proibindo a prática de nepotismo. Debates que deveriam acontecer no Congresso.

eBand - A Operação Mãos Limpas da Itália pode acontecer no Brasil com a investigação do MP sobre as atuais denúncias contra agentes públicos do Congresso?

Cosenzo - Isso dependeria de uma reforma grande, mas é difícil fazer essa mudança porque pelo princípio tripartite de poderes iria exigir alteração de cláusulas pétreas, alteração da Constituição. A curto prazo é quase que utópica uma medida dessa natureza.

Fonte: e-Band - http://www.band.com.br/jornalismo/brasil/conteudo.asp?ID=163800

Nenhum comentário:

Postar um comentário