JUSTIÇA DEVE ENFRENTAR QUESTÃO DA CANDIDATURA DE RÉUS
Por Vladimir Passos de Freitas*
Cena 1. Ela era uma mulher simples, pouco mais que alfabetizada, cozinheira de profissão, cerca de 45 anos, casada com um pedreiro, tinha cinco filhos e criava mais seis. Seu nome era Dinorá Ramalho do Nascimento, mas era conhecida como Dona Maria. Morava em Caraguatatuba, litoral de SP, onde eu era Promotor de Justiça. Seu bom senso e autoridade moral levaram-na a ser nomeada Comissária de Menores. Nesta condição, zelava pelo bom tratamento de crianças da cidade, orientando as mães, repreendendo-as quando necessário e, nos casos extremos, levando crianças abandonadas para sua casa. Na vida, conheci poucas pessoas com tanto bom senso, espírito público e sentido de justiça.
Cena 2. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, seguido por outros TREs, decide rejeitar candidaturas de candidatos às próximas eleições que tenham antecedentes criminais (Estado de S.Paulo, 2.6.2008, página A6). O Tribunal Superior Eleitoral, por apertada maioria, assume posição contrária. Porém, promete divulgar, através da internet, os candidatos com “ficha suja”. Dias depois, volta atrás. Os TREs, à falta de regulamentação, ficam divididos quanto à posição a ser tomada. Por exemplo, o TRE-PR divulga a lista na sua sede, mas não a coloca na internet (Gazeta do Povo, 20.7.2008, página 15).
Dirá o leitor: mas o que tem a ver a Dona Maria com a eleição de réus? Aparentemente, nada. Na vida real, tudo. Explico.
O número de parlamentares processados criminalmente é expressivo. E o de candidatos, enorme. O impedimento da candidatura esbarra no artigo 5º, inciso LVII, que diz: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Vai daí que essa enorme quantidade de candidatos não pode ser considerada culpada, pois a ação penal está em andamento. E este andamento, com habilidade mediana da defesa, pode durar oito, dez ou 12 anos. Basta saber manejar, com astúcia, a legislação processual (por exemplo, arrolando testemunhas no exterior) e esgotar todos os recursos possíveis. Inclusive o especial ao STJ e o extraordinário ao STF.
O conflito entre a presunção da inocência ou da não-culpabilidade e a realidade não fica limitado à Justiça Eleitoral. Cria outras perplexidades. Por exemplo, o réu condenado pelo Tribunal do Júri que sai livre da sessão de julgamento. Ou o alto executivo que, condenado pelo TRF por crime...
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*Vladimir Passos de Freitas é desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e professor de Direito Ambiental da PUC/PR.
Fonte: Site Consultor Jurídico
Publicado em 23/06/08
Leia o artigo na íntegra em: http://www.conjur.com.br/2008-jun-23/justica_enfrentar_questao_candidatura_reus
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