Por Rodrigo Haidar
O Supremo Tribunal Federal volta a julgar, nesta quarta-feira (27/10), a aplicação da Lei Complementar 135/10 (Lei da Ficha Limpa) para as eleições deste ano diante de um dilema: achar uma saída para o impasse que rachou o tribunal quando os ministros julgaram o recurso do ex-candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC), há quase um mês.
Na ocasião, depois de duas sessões que somaram 15 horas de discussão, o julgamento foi suspenso sem a proclamação do resultado porque cinco ministros votaram pela aplicação imediata da lei e cinco, contra. Com o placar, os juízes passaram a discutir de forma acalorada sobre como desempatar a decisão. A paixão tomou conta das discussões e a única saída foi encerrar a sessão sem qualquer resultado definido.
Na quarta-feira, será julgado o recurso de Jader Barbalho (PMDB-PA) contra a rejeição do registro de sua candidatura pelo Tribunal Superior Eleitoral. O caso é muito semelhante ao de Roriz: Barbalho renunciou ao cargo de senador em 2001 para escapar de um provável processo de cassação. Nas eleições de 3 de outubro, obteve 1,79 milhão de votos e e se elegeu em segundo lugar para representar o Pará no Senado.
Em entrevista nesta sexta-feira (22/10), o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, chegou a considerar a possibilidade de o tribunal se ver diante de novo impasse: “Possibilidade teórica (de continuar empatado) sempre tem. Eu não saberia fazer uma avaliação hoje”. Mas, em seguida, afirmou que “pode ser até que o tribunal encontre uma solução não aventada até agora”.
Questionado sobre se estaria disposto a proferir o voto de desempate, Peluso respondeu: “Eu estou disposto a aguardar o julgamento de quarta-feira”. A possibilidade de o presidente do STF desempatar o julgamento, apesar de prevista no regimento interno da Corte, foi duramente atacada pelos ministros que defendem a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa. Peluso, que teria o privilégio de votar duas vezes, é contra.
Ministros consideram a possibilidade de haver conversas nos dias que antecedem o julgamento para que seja desenhada uma solução antes de o recurso começar a ser julgado. Advogados consideram que a solução pode partir da ministra Ellen Gracie.
A ministra é a integrante do colegiado que se envolveu de forma menos apaixonada com o assunto. No julgamento em que o Supremo derrubou a verticalização, ela sustentara a inconstitucionalidade de lei eleitoral vigorar no mesmo ano de sua edição. Embora tenha decidido diferente agora, é a única votante que pode ceder no sentido de abrir o segundo voto para o presidente, o que decidiria a questão imediatamente.
Soluções opostas
O voto de desempate é previsto no inciso IX do artigo 13 do regimento interno. O dispositivo determina que cabe ao presidente do tribunal “proferir voto de qualidade nas decisões do plenário, para as quais o regimento interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de ministro em virtude de: a) impedimento ou suspeição; b) vaga ou licença médica superior a 30 dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o ministro licenciado”.
O uso do voto de qualidade foi defendido em plenário pelos ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio no julgamento do recurso de Roriz. Quando estava em jogo a candidatura de Roriz, o presidente do STF foi pressionado por colegas e descartou desempatar a contenda: “Não tenho nenhuma vocação para déspota. E não acho que o meu voto valha mais do que o de outros ministros”.
A segunda saída para o impasse é diametralmente oposta a primeira e está no mesmo regimento interno do STF, no artigo 146: “havendo, por ausência ou falta de um ministro, nos termos do artigo 13, IX, empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta”. Neste caso, o desempate se dá com a confirmação da decisão do TSE contestada pela recurso de Jáder Barbalho.
Esta foi a solução proposta pelo ministro Ricardo Lewandowski, duramente rechaçada, então, pelo time que é contra a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa. As duas possibilidades de desempate previstas no mesmo regimento deve ser o alvo das conversas entre os ministros antes do julgamento do recurso do eventual futuro senador.
Processo eleitoral
Em todos os casos nos quais a Lei da Ficha Limpa é contestada, advogados alegam, preliminarmente, que a lei feriu o artigo 16 da Constituição Federal, que fixa o chamado princípio da anterioridade, segundo o qual qualquer lei que influa nas eleições tem de esperar o prazo de carência de um ano a partir da data de sua publicação para ser aplicada.
O artigo 16 diz o seguinte: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. O racha entre os ministros, que impediu o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, de proclamar o resultado do julgamento do recurso de Roriz, se deu exatamente pelas diferenças entre o conceito do que é processo eleitoral.
A Lei Complementar 135 foi publicada em 7 de junho deste ano. Assim, só poderia valer para eleição marcada para depois de 6 de junho de 2011. Na prática, só se aplicaria aos candidatos a partir das eleições municipais de 2012. Esse é o entendimento dos ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso.
Os outros cinco ministros — Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie — entendem que sua aplicação é imediata porque novas hipóteses de inelegibilidade não alteram o processo eleitoral. Logo, não teriam de cumprir o prazo de carência de um ano previsto na Constituição Federal.
Sobre este ponto é que se deu o impasse. Para os ministros que defendem a aplicação imediata da lei, só tem poder de interferir no processo eleitoral uma regra que desequilibra ou deforma a disputa. Como a Lei da Ficha Limpa é linear, ou seja, se aplica para todos indistintamente, não se pode afirmar que ela interfere no processo eleitoral. Logo, sua aplicação é imediata.
Para os que sustentam que a lei deve obedecer ao prazo fixado no artigo 16 da Constituição Federal, não ha interferência maior no processo eleitoral do que estabelecer novas regras que criem restrições para que um cidadão se candidate. Os ministros discordaram até de quando se inicia o processo eleitoral. Para a maior parte do time pró aplicação imediata da lei, o processo se inicia com as convenções partidárias, que pela Lei Eleitoral devem ser realizadas entre 10 e 30 de junho, e com os registros de candidatura, que devem ser feitos até as 19h do dia 5 de julho.
Para a outra metade do Supremo, o processo eleitoral começa um ano antes das eleições, com o fim do prazo para as filiações partidárias. Se para concorrer o candidato tem de estar filiado ao partido um ano antes das eleições, é nesta data que começa o processo rumo ao próximo pleito.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2010-out-23/supremo-procura-saida-desempatar-posicoes-ficha-limpa
__